Cidade do
Vaticano – Depois da publicação do Documento final da XIV Assembleia Geral
Ordinária do Sínodo dos Bispos sobre a família, muitas foram as interpretações
da imprensa a respeito das decisões tomadas quanto à comunhão aos divorciados
recasados.
A respeito
deste tema, o Programa Brasileiro entrevistou o Arcebispo de São Paulo, Card.
Odilo Pedro Scherer:
“O texto
final que foi votado reflete a dificuldade de se dizer uma palavra unânime
sobre este assunto, porque há muita divergência sobre que tipo de atitudes
devem ser tomadas. Pode ou não pode: não é este o caminho escolhido. É claro
que seria a solução simples, mas não é esta que nós podemos dar. A questão é
complexa e questões complexas não podem ser respondidas simplesmente com um sim
ou não. Enfim, existem múltiplas situações e o Sínodo, que não é ainda a
palavra do Papa, não decidiu nada sobre isso. Eventualmente, o Papa poderá
decidir que não podem se aproximar da mesa eucarística ou poderá dizer ‘em tais
e tais situações, observadas tais normas, poderão se aproximar da mesa
eucarística’. Então isso ainda permanece uma questão aberta. O Sínodo, enquanto
tal, indicou alguns caminhos que poderiam ser seguidos, mas o Sínodo não
decidiu nada sobre isto.”
Fonte: Rádio
Vaticano
Atualizando:
Cardeal
Odilo Scherer: O Sínodo sobre a família
Cidade do
Vaticano (RV) – Durante o recente Sínodo dos Bispos sobre a família, realizado
no Vaticano, o Arcebispo de São Paulo, Cardeal Odilo Scherer, diariamente,
através da Rádio Vaticano, trouxe os conteúdos dos trabalhos sinodais, aos
fiéis do Brasil. Na conclusão dos trabalhos do Sínodo Dom Odilo respondeu
algumas perguntas à nossa emissora e também outras ao Jornal O São Paulo.
Publicamos a entrevista do O São Paulo.
1. A 14ª
assembleia ordinária do Sínodo foi encerrada no dia 25 de outubro. Como
descrever a experiência desse Sínodo, na condição de participante dele?
R. Foi uma
experiência eclesial muito intensa e bonita. Deu para perceber a universalidade
da Igreja: sendo a mesma em toda parte, pelo mesmo Evangelho, a mesma profissão
de fé e pela mesma organização visível, ela tem, ao mesmo tempo, faces muito
diferentes, de acordo com as culturas onde ela está inserida. Foram 3 semanas
de reuniões com a presença quase diária do Papa Francisco e com representantes
dos episcopados do mundo inteiro, além de outros membros da Igreja. Não se
tratou de um Parlamento, onde a maioria decide, ou os partidos tentam negociar
composições e compromissos, para vencer um debate… Procuramos todos falar com
liberdade e colocar-nos à escuta do outro, na tentativa de discernir o que o
Espírito de Deus ensina.
2. O Sínodo
tratou de muitos temas relativos à família: no seu parecer, quais serão as
contribuições que mais deixarão marcas no presente e no futuro da família?
R. De fato,
mesmo se o tema específico foi “a vocação e a missão da família na Igreja e na
sociedade contemporânea”, foram abordados praticamente todos os temas
referentes ao casamento e à família. Creio que o resultado foi muito positivo e
algumas questões apareceram claras: uma renovada valorização da família pela
Igreja, como realidade boa e querida por Deus; o casamento entre um homem e uma
mulher dá início a uma família; a família tem uma missão importante em relação
a cada pessoa, à comunidade humana e à Igreja; muitas situações novas e
complexas envolvem hoje a família e requerem a atenção pastoral renovada da
Igreja, que precisa estar próxima das famílias marcadas pela dor e todo tipo de
sofrimento. A Igreja, ao mesmo tempo que convida todos a acolherem a Boa Nova
de Jesus, precisa olhar com paciência e misericórdia os casais e as famílias
que vivem em situações contrastantes com o ensinamento do Evangelho.
3. Há
esperança de que no futuro haja menos casais separados, divórcios e casais em
segunda união?
R. A Igreja
é sempre animada pela esperança. Mas o Sínodo refletiu muito sobre a
necessidade da boa preparação para o casamento cristão e o casamento em geral.
Creio que a preparação para o casamento deverá ser uma das ações principais da
pastoral da família, de maneira que haja menos casamentos nulos ou divórcios no
futuro. Precisamos perseverar, na certeza de que Deus não pede coisas
impossíveis aos homens. É possível casar, perseverar e ser feliz no casamento.
4. Antes do
Sínodo, criou-se uma grande expectativa sobre a questão da comunhão eucarística
aos divorciados e recasados. Após o Sínodo, esses casais podem ou não receber a
Eucaristia?
R. O Sínodo
não tinha a missão de “resolver” essa questão, pois a natureza do sínodo é
consultiva, e não decisória. O Sínodo refletiu com intensidade sobre isso e
ofereceu algumas indicações ao Papa em relação ao eventual acesso à mesa
eucarística dos casais que vivem em segunda união. Permanecem válidas as
indicações dadas pelo Papa São João Paulo II na Exortação Apostólica Familiaris
Consortio, de 1981. A resposta não consiste num generalizado “pode”, ou “não
pode”. Os casos não são todos iguais. Em algumas situações, pode haver uma
permissão especial para comungar. O que o Sínodo falou com clareza é que esses
casais não estão excomungados, nem devem se considerar como tais; são filhos da
Igreja e têm muitas possibilidades de se sentirem parte da Igreja e em comunhão
com Deus. Além da comunhão eucarística, há a comunhão de fé, da escuta e
vivência da Palavra de Deus, da oração comum, da caridade, da participação na
missão da Igreja…
5. O que a
Igreja ganhou com o Sínodo? Valeu a pena realizar essa assembleia?
R. Creio que
ganhou muito e o Sínodo sobre a família valeu muito a pensa. Houve uma nova
tomada de consciência em relação à família e sobre a necessidade de uma nova
pastoral familiar. Além disso, ficou muito clara a percepção de que é
necessário haver uma espécie de aliança entre a Igreja e a família. O conceito
de “Igreja doméstica”, aplicado à família cristã, vai ter maior relevância
daqui por diante. Por outro lado, não deixou de ser profético para o mundo que
a Igreja se ocupasse tão intensamente com a família nesta época, para dizer uma
palavra clara e orientadora sobre essa célula básica da sociedade e da Igreja.
6. Falou-se
em “lei da gradualidade”, aplicada à situação dos divorciados e recasados
civilmente. Que significa isso?
R.É um
conceito usado na teologia moral e sistemática: nem todos fazem a profissão de
fé com a mesma intensidade, podendo haver um crescimento e amadurecimento na
fé. Para a mesma ação humana objetiva, a responsabilidade moral subjetiva pode
ser diferente, dependendo de uma série de fatores; nem toda ação virtuosa tem o
mesmo grau de perfeição, podendo haver crescimento na virtude. Em relação aos
casais divorciados, a responsabilidade pela quebra da aliança matrimonial não é
sempre igual para as duas partes. Assim também, os casais que vivem em segunda
união, também podem estar vivendo graus diversos de responsabilidade moral
subjetiva por essa situação; uma, é a de quem causou a separação e outra, a
situação da parte inocente numa separação. Este é um fator a ser considerado no
acompanhamento dos casais em segunda união.
7. O
Relatório final do Sínodo, nos parágrafos 84 e 85, fala do acompanhamento
pastoral dos casais em segunda união, da necessidade de confrontar-se com a sua
consciência. Significa que depois disso já podem aproximar-se da comunhão
eucarística?
R.. Na
consciência moral, a pessoa se confronta com Deus e toma suas decisões morais.
A consciência moral subjetiva é importante, mas ela precisa confrontar-se com a
norma moral objetiva. No caso do divórcio e de uma nova união, há uma questão
moral objetiva, que não pode ser desconsiderada e as decisões não podem ficar
simplesmente por conta da consciência subjetiva. Por isso é necessário que
esses casais busquem e recebam a ajuda do sacerdote para fazer o adequado
discernimento. O Sínodo evitou de deixar a decisão simplesmente por conta da
consciência moral subjetiva.
8. No
parágrafo 86 fala-se da necessidade do acompanhamento pastoral pelo sacerdote,
para fazer o discernimento sobre casa situação. O padre pode decidir sobre a
participação desses casais na comunhão?
R.
Acompanhamento, inclusão e misericórdia foram conceitos usados com abundância
no Sínodo A Igreja, nas realidades locais, precisa acompanhar, ou seja,
tornar-se próxima das situações de casais em crise, ou que se divorciaram, ou
que se casaram de novo no civil, após uma separação. Apesar de tudo, essas
pessoas não devem ser abandonadas, condenadas ou excluídas da comunidade; há
necessidade de discernir, orientar, indicar vias de participação na vida e
missão da Igreja. Há situações em que será necessário encaminhar para o
reconhecimento da nulidade. A participação da comunhão eucarística é
importante, mas esta não deve ser a única preocupação pastoral. Nas indicações
dadas pelo Sínodo não consta que o padre esteja autorizado a decidir pelo casal,
de modo generalizado, sobre a participação na comunhão eucarística.
9. Haverá
ainda uma palavra do Papa sobre o assunto?
R. O Sínodo
consultivo e, por si mesmo, não lhe cabia tomar nenhuma decisão. O Papa
convocou a assembleia do Sínodo para ouvir a Igreja sobre as questões relativas
ao casamento e a família, através dos seus pastores locais. Isso foi feito, o
Papa ouviu atentamente e recebeu o relatório final, com as indicações dos
participantes do Sínodo. Agora, depois de algum tempo, certamente haverá uma
palavra “de autoridade” do Papa, como aconteceu nos Sínodos anteriores. Vamos
continuar a rezar e aguardar
Cardeal
Odilo P.Scherer
Arcebispo de
São Paulo
Publicado em
O SÃO PAULO, 26.10.2015